íman DeFilipa Francisco, WonderfuWs Kova M e convidados, Festival Alkantara, CCB, 30 Maio, 19h. Sala cheia

íman é um dos mais entusiasmantes espectáculos deste festival e, sem dúvida, da história recente da criação portuguesa



“Alguma pressa na definição de um espectáculo intercultural tem levado a equívocos que nem a melhor retórica discursiva consegue disfarçar. Basta ver Bahok, a obra que Akram Kham, coreógrafo do Bangladesh radicado em Londres, e o Ballet Nacional da China trouxeram ao Alkantara (CCB, 30 e 31 de Maio) para percebermos que não basta querer dar "ao outro" o mesmo espaço para daí se conseguir extrair um libelo humanista. Sem os meios, mas sobretudo sem as pretensões do exemplo anterior, Un an après... de Nacera Belaza, e íman, de Filipa Francisco e as WonderfuH's Kova M, um grupo de jovens intérpretes de hip-hop da Cova da Moura, deram-nos estimulantes pistas para um discurso (não um novo discurso) que concilia, sem concessões, as diferenças e as proximidades entre diversos contextos.

(…) Esse "outro" encontramos também em íman, sobretudo no rosto destas oito extraordinárias intérpretes, intransponível quando fora de cena, vivo e crente quando dançam. Raramente vimos, como nos seus rostos, um comprometimento, uma segurança e uma certeza inabaláveis, que nos dá conta de um desejo de transcendência. Peça que rasga sem medos todos os manuais de arte comunitária ou projecto de inserção social, íman é um dos mais entusiasmantes espectáculos deste festival e, sem dúvida, da história recente da criação portuguesa. Ao longo de uma hora a energia destas oito mulheres dá-nos um espectáculo descomplexado, que não é miserabilista, não cede na exigência, nem faz tábua rasa das suas raízes ou das práticas contemporâneas. Sobretudo, cala os que, discriminando positivamente, pactuam com um nivelamento rasteiro do discurso artístico. Há nestas mulheres (como havia nos intérpretes, também da Cova da Moura, de Confissões, o projecto que Pedro Carraca e Cláudia Gaiolas apresentaram neste festival) uma generosidade, uma vontade de partilha e uma crença naquilo que estão a fazer que nos desarma. Em íman, os corpos delas surgem-nos imensos e disponíveis, dançando aquele momento como se tudo disso dependesse, e provando que há vitórias que não se compram. “

Tiago Bartolomeu Costa

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